São Paulo – Tarsila do Amaral

Pintada por Tarsila do Amaral  em 1924, ano central no desenvolvimento de sua obra, a tela São Paulo é um dos marcos da fase Pau-Brasil, como é conhecida sua produção desse período de conciliação entre a redescoberta da visualidade brasileira e uma reelaboração bastante particularizada das lições cubistas, recebidas no ano anterior nos ateliês de André Lhote (1885-1962), Fernand Léger (1881-1955) e Albert Gleizes (1881-1953), em Paris.

A modernidade é o foco dessa obra, Tarsila coloca em posição de destaque tanto a paisagem nacional – as cores alegres e ingênuas da cena caipira que reencontra com alegria na histórica viagem a Minas Gerais – quanto a transformação da cidade acanhada em metrópole. O que a pintora faz em telas como São Paulo, é situar a percepção do Brasil a partir da ótica aberta pela industrialização.

Está-se diante de uma modernidade bastante incipiente, simbolizada sobretudo pelos edifícios que começam a despontar no céu da cidade, pelas estruturas de ferro que sustentam o viaduto e principalmente pelo bonde que, no canto superior direito da tela, parece ser o responsável pelo dinamismo do conjunto. As construções ao fundo, trabalhadas com profundidades apenas sugeridas, aparecem contidas e conduzidas por uma única linha. É ela quem organiza e dá sentido ao grupo liderado pelo vagão, que remete mais às paisagens interioranas do que a uma visão pujante de cidade em desenvolvimento.

O que imprime movimento à tela, não é tanto a representação desses parcos símbolos da modernidade. É a sucessão de linhas que a cortam horizontalmente e conduzem o olhar da esquerda para a direita, dando lógica ao movimento. Esses cursos retilíneos (passeio e linha do trem) ou tortuosos (rio e contorno dos prédios), frequentemente fragmentados por fortes elementos verticais (figuras, tronco da árvore, prédios, vigas de ferro etc.), criam uma trama que sustenta e anima todo o conjunto.

A cor continua sendo usada como elemento definidor das formas, mas a artista lança mão de um jogo sutil de sombras, influenciada pela pintura de Fernand Léger, para ajudar a demarcar o volume dos elementos do quadro, distanciando-se do aspecto unidimensional do movimento inaugurado década e meia antes por Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963). O que Tarsila parece buscar aqui não é o efeito pelo contraste cromático, mas uma harmonização de tons possíveis, derivados dessa paisagem particular, dando corpo ao fértil embate do período, pautado pelo duplo desejo de modernidade e de enraizamento local.

São Paulo. Tarsila do Amaral. 1924 – Pinacoteca do Estado de São Paulo

 

Em São Paulo ‘Gazo’, escreveu Mário de Andrade: “Observe-se o São Paulo, seria vão provar a plasticidade eminente, violenta mesmo dessa obra. Mas os objetos escolhidos para a criação formam uma expressão intensa e nacionalista do que é a cidade paulistana. Aí está no Gazo o [sic] fúria do anúncio que caracteriza as grandes aglomerações industriais. Na avenida larga da moderna cidade, com árvores que lembram a riqueza da nossa arborização, trilhos de bonde, a figura extravagante do Ford. E lá está o distribuidor de gasolina Motano, como a força matriz desse enorme movimento. Convém ainda notar que a escolha do Ford e não duma Cadillac não foi feita ao acaso. Todo o interior das riquezas fluindo, concorrendo para a grandeza da estranha capital paulista. A parte colonial da cidade não se esqueceu. Mas nessa as chaminés dominam e se espeta dominador o arranha-céu.”

Aliada à geometrização e à tessitura da cena, é fundamental destacar ainda a importância da escolha, tratamento e combinação das cores, questão que desempenha papel central na obra de Tarsila e bastante particular no caso dessa pintura. Os verdes, azuis e vermelhos compõem uma paleta menos intensa e contrastante do que outras telas do mesmo período, mas mesmo assim possuem algo de infantil, uma ingenuidade estranha à arte culta da época.

São Paulo ‘Gazo’. Tarsila do Amaral. 1924

 

por Roseli Paulino – @arteeartistas

 

 

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