Biografia e obras de Tarsila do Amaral

Convido você a conhecer a vida e a obra de Tarsila do Amaral, uma das artistas mais importantes do modernismo brasileiro. Nascida no interior de São Paulo, Tarsila foi uma figura central na renovação da arte brasileira do século XX. Suas obras, como “Abaporu” e “Antropofagia“, são marcadas por cores vibrantes e formas que retratam a cultura e a identidade brasileiras, sendo fundamentais para a consolidação de uma estética nacional na arte. Além de pintora, ela foi desenhista e tradutora, grande influente na arte e na sociedade brasileira.

Tarsila do Amaral nasceu na cidade de Capivari no dia 01 de setembro de 1886, interior de São Paulo.

Considerada por muitos, uma mulher a frente de seu tempo.  Elegante e refinada, era neta de grandes fazendeiros paulistas, porém enfrentou rejeição dentro da própria família. Uma das principais representantes do Modernismo brasileiro, Tarsila do Amaral fez a perfeita combinação entre as especificidades da nossa cultura e as novas possibilidades poéticas abertas pelas vanguardas no início do século passado.

Sagrado Coração de Jesus. Tarsila do Amaral. 1904

Seu 1º quadro foi “Sagrado Coração De Jesus” que pintou aos 16 anos. Nota-se a presença das cores fortes já prematuramente.

Tarsila iniciou sua pintura, influenciada pelo conservadorismo com que o modernismo, do qual ela mesma se tornaria mestra, rompeu mais tarde.

Em 1906, Tarsila se casou com André Teixeira Pinto. Tiveram uma filha que deram o nome de Dulce do Amaral Pinto, nascida no mesmo ano. O casal não tinha nenhum interesse comum e se separaram por volta de 1913, após sete anos de convivência.

Em 1917, ela começou a estudar pintura com o renomado artista Pedro Alexandrino. Seu interesse pelo modernismo foi iniciado pela visita à exposição individual da pintora Anita Malfatti na“Exposição de Pintura Moderna”  em dezembro de 1917. Foi nesse encontro que as duas artistas se conheceram e transformou-se em uma amizade de longas datas.

Em 1920,  Tarsila viajou para Paris, onde matriculou-se na Académie Julian, fundada pelo pintor e professor Rodolphe Julian, estudando lá até 1921. Voltou para  o Brasil em 1922, logo após a conclusão da Semana de Arte Moderna, realizada de 11 de fevereiro a 18 de fevereiro.

Tarsila não participou diretamente da Semana de 22, mas se concretizou nas artes plásticas ainda na década de 1920, pela demanda formulada pelos líderes do grupo modernista. Já conhecera a amiga Anita Malfatti e ambas trocavam correspondências, onde Anita a mantinha informada de tudo. No Brasil, ela conheceu através de Anita alguns dos organizadores da Semana de Arte Moderna, especialmente  Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti Del Picchia. Posteriormente, foi convidada a integrar o movimento e juntos formaram o Grupo dos Cinco. A intenção principal do grupo era promover a cultura brasileira através da arte moderna, evitando estilos tipicamente europeus.

Autorretrato ou Manteau Rouge. 1923

Em dezembro de 1922, Tarsila retornou a Paris, onde estudou com André Lhote na Académie Lhote. Além disso, ela também estudou brevemente com Albert Gleizes e Fernand Léger.  Durante esse período, teve contato com os movimentos das vanguardas européias como o cubismo, o futurismo e o expressionismo, estilos que lhe acrescentaram muito conhecimento e serviram para mais tarde, enriquecer a sua obra. Ela logo percebeu que, embora o Cubismo tivesse seus benefícios, ajudando os artistas a sair das formas da arte acadêmica, finalmente seria destrutivo. Portanto, enquanto ela não desistira do cubismo, lutou para desenvolver um estilo próprio, influenciada principalmente por Fernand Léger, seu professor durante esse processo.

Ainda na Europa, ela agora começou a mergulhar na cultura étnica brasileira.Em uma carta a seus pais durante este período, ela explicou como suas experiências em Paris a inspiraram a explorar suas raízes e sua herança cultural e como ela queria ser reconhecida como pintora brasileira.

Em 1923, ela criou sua famosa pintura, ‘A Negra’. A obra apresenta um retrato exagerado e achatado de uma mulher afro-brasileira nua, contra um fundo geométrico. Marcou o início de seu estilo único, destacando uma síntese da estética de vanguarda e da etnia brasileira.

Em dezembro de 1923, Tarsila retornou ao Brasil e com Oswald de Andrade,  e o amigo francês Blaise Cendrars começaram a viajar pelo país, visitando o Rio de Janeiro durante seu famoso Carnaval. Essa viagem trouxe-lhe inspiração para pintar a tela ‘Carnaval em Madureira’ e outras obras desse mesmo período. Do Rio, viajaram para Minas Gerais, onde a artista teve o prazer de redescobrir as cores vibrantes que amava quando criança. Além disso, as casas rústicas e as igrejas antigas capturaram sua imaginação, mergulhando mais profundamente em sua herança brasileira, lentamente, ela começou a descobrir suas raízes.

Durante suas viagens pelo Brasil, Tarsila fez muitos esboços, que mais tarde se tornaram a base de muitas de suas pinturas. As cores eram sempre vibrantes, algo que ela redescobriu durante essa turnê. Ela também desenvolveu interesse pela industrialização e seu impacto na sociedade brasileira, o que podemos observar em suas pinturas relacionadas com à cidade de São Paulo.

Este período de sua obra é conhecido como ‘Pau Brasil’ após um manifesto escrito por seu companheiro e futuro marido, Oswald de Andrade. No manifesto, ele motiva os artistas a criar obras que fossem exclusivamente brasileiras e não imitassem estilos europeus.

A obra de Tarsila está dividida em três fases: Pau-Brasil, Antropofágica e Social

Na sua primeira fase, a Pau-Brasil, a pintora rompia completamente com todo o conservadorismo e passou a encher de formas sua pintura. As obras desse período, dá início em 1924, com temas tropicais , onde a artista exalta a fauna, flora, as máquinas e tudo o que está ligado à modernidade urbana que contrastavam com a riqueza e diversidade do Brasil da época.

FASE PAU BRASIL – A Estação Central do Brasil. 1924

A segunda fase, a Antropofágica, foi idealizada pelo seu marido na época, Oswald de Andrade. Nesse momento eles buscavam digerir influências estrangeiras, que eram comuns à época, para que a arte feita por eles tivessem feição mais brasileira. Tarsila pinta um quadro e presenteia a Oswald o qual deram o nome de Abaporu  – palavra de origem indígena que traduz “homem que come carne humana”.  Para os modernistas o significado seria para dar sentido de que eles iriam “digerir”ou seja, aproveitar do conhecimento das técnicas estrangeiras e aplicá-las aqui, mas sem perder a nossa tradição, fazer no novo algo bem brasileiro.  Com essa pintura da artista de 1928, inaugura-se o importante movimento antropofágico dentro do modernismo.

FASE ANTROPOFÁGICA – Antropofagia. 1929

A terceira e última grande fase é a Social, que culmina com a sua ida a Paris, onde trabalha como operária em uma construção, após passar pela União Soviética. A artista não estava mais casada com Oswald de Andrade, romperam relação o que terminou em divórcio em 1930.

Em 1933, a partir do quadro Operários, a artista inaugura uma fase de criações voltadas para os temas sociais da época e a situação dos trabalhadores. Em Segunda Classe, Tarsila explora as diferenças com uma expressão que emociona o observador.

FASE SOCIAL – Crianças “Orfanato”. 1935

Após o divórcio com Oswald de Andrade, pouco se sabe sobre sua vida pessoal amorosa. No entanto, dizem que a artista poderia ter tido um relacionamento com Osório Taumaturgo César e em seguida, com Luiz Martins, vinte anos mais jovem. Embora alguns biógrafos acreditem que ele permaneceu com ela até sua morte, outros acreditam que ele a deixou por uma mulher mais jovem.

Além das telas…

Tarsila pintou dois painéis em sua carreira, ambos da década de 50. Em 1954, finalizou Procissão do Santíssimo, realizado para as comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo.

Procissão do Santíssimo. 1954

Em 1956, realizou para a Editora Martins outro painel, com o título Batizado de Macunaíma. Embora o tema compreenda várias questões de interesse da artista, esta pintura é considerada distanciada do restante de sua obra, em razão dos tons contrastantes e sombrios, bem como da estilização das figuras, dos detalhes e da composição.

Batizado de Macunaíma. 1956

ÚLTIMOS ANOS…

No  final de sua vida, Tarsila sofria de sérios problemas nas costas, o que a limitou ao uso de uma cadeira de rodas. Faleceu no dia 17 de janeiro de 1976, aos 86 anos, em São Paulo, e foi sepultada no Cemitério da Consolação.

Ao longo de sua carreira como artista plástica, foram catalogados 2132 obras. Além das pinturas, cinco esculturas, centenas de desenhos, ilustrações, gravuras e murais. Mas o mais importante, é que ela levou as artes brasileiras ao modernismo mundial e ajudou a desenvolver um estilo único genuinamente  brasileiro.

 

 

 ARTE COMENTADA

Retrato de Mário de Andrade. Tarsila do Amaral. 1922 – Localização: Palácio Boa Vista (Campos do Jordão, São Paulo. SP)

Carta de Mário de Andrade à Tarsila do Amaral:

Exma. Sra. Tarsila do Amaral
Paris
S. Paulo, 11- 01-1923
“Querida amiga
Se é mesmo verdade que os gregos e os romanos tratavam seus deuses com familiaridade amiga, creio que foi o cristianismo que trouxe para os homens ocidentais o temor pelas entidades divinas.
Aproximo-me temeroso de ti. Creio que és uma deusa: NÊMESIS, senhora do equilíbrio e da medida, inimiga dos excessos. Quando um homem da Terra era demasiado feliz, via crescerem-lhe terras e riquezas, e tinha em torno de si braços, lábios de amor, coroas de glória e alegrias somente, Nêmesis aparecia. Vinha lenta, com seu passo lento, sem rumor. Mas ao homem-da-Terra fugiam-lhe riquezas, alegrias. Perdia amor, glória e riso.
És Nêmesis, sem dúvida. Eu era são. Alegre, confiante, corajoso. Mas Nêmesis aproximou-se de mim, com seu passo lento, muito lenta. Depois partiu. Doenças. Cansaços. Desconsolos. Ainda todo o final de dezembro estive de cama. Venho agora da fazenda onde repousei 10 dias.
Mas será mesmo Nêmesis? Que és deusa, tenho certeza disso: pelo teu porte, pela tua inteligência, pela tua beleza. Mas a deusa que reprime o excesso dos prazeres? Não creio. Tua recordação só me inunda de alegria e suavidade. És antes um consolo que um pesar. A verdadeira, eterna Nêmesis, são as horas implacáveis que passam dia e noite, dia e noite, sol e escuridão. Estou nos meses da escuridão. Foi a fraqueza que me fez pensar que eras tu Nêmesis. Perdão. Estou a teus pés, de joelhos. Mais uma vez: perdão.
Espero tua carta longa, contando coisas breves de Paris. Já estou a imaginar a lindeza do meu Picasso. Obrigado.
Dize-me alguma coisa da Arte. Já estás trabalhando? Pintas muito?”
Recebeste Klaxon n° 7?
Adeus.
Mário de Andrade 

A Negra

Em Paris, Tarsila foi aluna do renomado pintor Fernand Léger. Quando terminou de pintar essa tela, o impressionou tanto que ele a mostrou para todos os seus alunos, dizendo que se tratava de um trabalho excepcional.

Temos nessa pintura, elementos cubistas no fundo da tela e ela também é considerada precursora da Antropofagia na pintura d a artista. Essa negra de seios grandes, fez parte da infância de Tarsila do Amaral, pois seu pai era um grande fazendeiro, e as negras, geralmente filhas de escravos, eram as amas-secas, espécies de babás que cuidavam das crianças.

A Negra. Foto e pintura. Tarsila do Amaral. 1923

Carnaval em Madureira – 

Tarsila transfere a Torre Eiffel de Paris para o Rio de Janeiro com a intenção de registrar suas lembranças de viagem e do tempo que viveu lá, assim como podemos encontrar também o famoso dirigível e as pedras da fazenda que ela nasceu para recordar sua infância e suas experiências vividas até então, tudo em Madureira, um bairro boêmio e reduto do famoso carnaval carioca.

Carnaval em Madureira. 1924

 Declarou Tarsila sobre uma de suas obras mais famosas: “A Cuca está na brasilidade, na nossa cultura. Inventei a Cuca, como a imagino. Misturei vários animais de nossa fauna e usei cores que, antes desta fase de pintura, não usava. Desaconselhavam que eu usasse estas lindas e vivas cores: vivas e fortes.” Continua…  “Estou fazendo uns bichos bem brasileiros que têm sido muito apreciados. Agora fiz um que se intitula A Cuca. É um bicho esquisito, no mato com um sapo, um tatu e outro bicho inventado.”

A Cuca. Tarsila do Amaral. 1924

O Vendedor de Frutas –

Este quadro remete-nos para um mundo lírico do país tropical abundante em frutos e paisagens amenas. Esse pequeno barco que está atravessando o oceano carrega muitos símbolos, como os frutos da terra, que significa a abundância que temos nesse imenso país . O personagem retratado em primeiro plano, com seu grande chapéu, é o símbolo do trabalho do campo. Em sua forma e cor, faz rima com os abacaxis e grandes laranjas.

Vendedor de frutas. 1925 (Fase Pau-Brasil)
Religião Brasileira. 1927 – Óleo sobre tela (63×76 cm) – Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo
  • A Lua – 

Tarsila presenteou esse quadro a seu marido, na época o escritor Oswald de Andrade. Dizem que ele o conservou até seus últimos dias em vida, mesmo depois que o casal se separou. Observando essa pintura, nota-se que os elementos da natureza como a lua e o cacto estão pintados de modo estilizados, assim como o resto toda a composição nos remetem aos sonhos e devaneios da pintora.

A Lua. Tarsila do Amaral. 1928
  • CARTÃO POSTAL – Nesta tela de 1929, vemos a lindíssima cidade do Rio de Janeiro que é o maior cartão postal do Brasil. O macaco é um bicho Antropofágico de Tarsila que compõe essa bela obra.
Cartão Postal. 1929
Esse é um autorretrato da artista diferente dos anteriores e os posteriores, foi a única pintura realizada em 1930. Foi um ano reflexivo para ela; fatos tristes marcaram sua vida durante esse período: Em 1929, a abastada família de Tarsila, perdeu a fortuna com a crise financeira internacional deflagrada pela quebra da bolsa de NY. Em 1930, um golpe de Estado pôs fim na chamada Era Vargas. No mesmo, seu companheiro Oswald de Andrade se separou dela pois havia se apaixonado pela escritora Patrícia Galvão, conhecida como Pagu
Costureiras. 1950. Oléo sobre Tela (73,3 x 100,2cm). Acervo do MAC-USP
Terra, Primavera (1946) e Praia (1947), são paisagens com características surrealistas, em que a pintora volta à descrição da vegetação e propõe grandes distorções corporais, em contrastes que aumentam a atmosfera fantástica. Há em Terra, um cenário dúbio e de metamorfoses. Sua matéria não é nem densa nem fluída, é chão confundido com mar, que na imensidão alcança o horizonte para se misturar com o céu. A figura feminina gigantesca estendido no solo com ele se confunde. Também ela é território de dúvidas – se é mulher gigante ou disforme, com pernas e braços de um ser mítico e, como o Abaporu

FASE NEO PAU BRASIL

A partir dos anos de 1950, Tarsila retoma a temática de sua fase Pau Brasil, quando produziu “A Fazenda”, e seguiu com lindas pinturas características a esse período.

“Sou profundamente brasileira e vou estudar o gosto e a arte dos nossos caipiras. Espero, no interior, aprender com os que ainda não foram corrompidos pelas academias”. Tarsila do Amaral

Fazenda. 1950. Óleo sobre Tela. Coleção particular – São Paulo
O Porto. Tarsila do Amaral. 1953
“Acredito que a Arte está em tudo no que nos rodeia, basta um olhar sensível para apreciar e usufruir das diferentes manifestações artísticas. A Arte é a grande e bela ilustração da vida.”

Novidades pelo email

Assine nossa newsletter e receba todas novidades por email